Ato II, Cena II. Entra Hamlet lendo.
Polonius, no excerto acima da peça de Shakespeare, diz que Hamlet está louco, mas ainda assim raciocina com método.
Neste pedaço do texto, Hamlet não é louco, tampouco irracional. Ele se faz passar por louco para conseguir um objetivo, que é descobrir a trama por trás da morte do Rei. A racionalidade de seus atos é completa, porém sua ação se inicia com a famosa cena da aparição do fantasma do Rei.
Nesta cena, o fantasma conta a Hamlet que fora assassinado, passando o príncipe a agir de forma aparentemente irracional para desvelar os assassinos. Ainda que seus atos sejam racionais a partir da aparição, sua crença em um fantasma de seu pai, contando a ele que havia sido assassinado, não deixa de ter relação direta com uma racionalidade limitada (ou pelo menos deveria colocar em dúvida se aquilo não era uma alucinação). Mesmo assim, este fato no começo da peça é fundamental para toda a trama.
Meu ponto aqui é o seguinte: fatos passados influenciam os futuros e, caso haja um evento singular não pautado em princípios
de racionalidade, ele terá implicações para os desdobramentos posteriores, ainda que doravante os agentes ajam de forma completamente racional.
Deixe-me dar um exemplo. Existe uma dupla de autores em economia e psicologia econômica que buscou desvendar a questão da racionalidade dos seres humanos quando estão realizando tarefas que demandariam uma racionalidade forte.
Esta dupla se chama Kahneman e Tversky e são dois cientistas israelenses preocupados com a questão da análise dos agentes na economia. (Para maiores informações, ver TVERSKY, Amos & KAHNEMAN, Daniel. The Framing of Decisions and the Psychology of Choice. Science, New Series, Vol. 211, No. 4481, Jan. 30, 1981, pp. 453-458).
Estes cientistas fizeram vários testes interessantes para avaliar a capacidade de raciocínio das pessoas ao tomarem decisões importantes. Eles descobriram que as pessoas têm várias limitações para conseguir compreender a realidade, fazendo cálculos errados, entendendo as coisas a partir de seu ponto de vista em detrimento da realidade, ou sendo influenciados por fatores externos.
Um dos exemplos interessantes é o seguinte: Imagine que você quer jogar taco (sim, aquele joguinho que jogávamos quando ainda existia ruas calmas nas cidades, que dois times jogam uma bola contra as “casinhas” adversárias, enquanto os rebatedores têm que pontuar acertando a bola e cruzando os tacos). Imagine que você vai comprar o taco e a bola. Você sabe que um conjunto de um taco e uma bola custa R$ 1,10 e que o taco custa R$ 1,00 a mais do que a bola. Como se perdem muitas bolinhas, é preciso comprar mais delas. Assim, você é chamado a esclarecer a seguinte dúvida: quanto custa a bola?
Bom, Kahneman e Tversky fizeram este teste para várias pessoas e encontraram um número enorme de erros. Em verdade, para pessoas “comuns”, como eles chamaram, a chance de acerto era mínima. Para o grupo de pessoas “inteligentes” (na verdade, alunos da Universidade de Michigan e de Princeton nos EUA), a taxa de erro foi de 50% a 56%.
De fato, o problema não é difícil de se compreender, mas a nossa capacidade de raciocinar a respeito dele é impedida por não nos atentarmos direito sobre seu enunciado.
Note que eu disse que o taco custa R$1,00 a mais do que a bola. Se você respondeu que a bola custa R$ 0,10, então, o taco custa R$ 1,00, certo? Sendo assim, ele custa R$ 0,90 a mais do que a bola (R$1,00 – R$ 0,10 = R$ 0,90). Sendo assim, esta não pode ser a resposta correta, pois fere parte do problema. A resposta certa é que a bola custa R$ 0,05. O taco custa, portanto, R$ 1,05, logo R$ 1,00 a mais do que a bola.
Este é um exemplo claro de que erramos em nossos cálculos, mesmo quando temos todas as informações necessárias para resolver o problema (veja que você tinha toda a informação que era necessária – se você errou é porque é humano).
Outro exemplo é o que eles chamam de framing. Esta palavra significa que a moldura como o problema é encarado pelo agente é relevante para a análise. Veja a figura a seguir:
Nesta pintura, é possível ver uma aldeia, com pessoas sentadas ao redor de uma casa, ou o rosto de uma pessoa deitada.
Este é o conceito de framing que Tversky e Kahneman desenvolveram. Dependendo do ângulo ou do ponto de vista do agente, a escolha pode sair de uma maneira ou de outra.
Se, por exemplo, o presidente de um país que sempre está em guerra com os seus vizinhos recebe um pedido de armistício, de modo a iniciarem negociações de paz, este presidente pode nunca achar que o seu vizinho realmente quer aquele objetivo.
Ele pode ficar conjecturando qual a manobra que seu inimigo está armando para pegá-lo de surpresa. Se o vizinho estava querendo realmente a paz, as negociações podem ser travadas por um problema de framing.
Dito isso, é necessário avaliar as situações considerando que as pessoas podem ser irracionais em alguns momentos, ainda que elas não o sejam todo o tempo.
Assim como Hamlet, to be or not to be irracional não é uma alternativa, é um imperativo. Nós somos parcialmente irracionais, fato que deve constar em qualquer análise para tomada de decisão vida.